Não lembro
exatamente como ele começou seu discurso, mas comecei a prestar atenção quando
ele conversava com seu amigo catatônico em um tom mais alto. Eu estava a
esperar a minha tia naquela ocasião sentado ao banco próximo da entrada do
pátio do manicômio. Dizia ele: “Humanistas? Não sei do que se trata a fundo,
mas posso afirmar-lhe meu nobre amigo falante que só de pensar em encontrar com
um já me deixa em nervos! Partiria para agressão física muito provavelmente num
momento extrema de lucidez numa discussão com um humanista! Pare para analisar
comigo, sejamos sinceros, como alguém pode defender o ser humano no campo das
ideias conhecendo minimamente a história da humanidade? ”
Seu amigo
olhava com os olhos vazios mirando o nada e a boca entreaberta.
Ele prosseguiu
“Bem vejamos... deixemos esse assunto de lado, uma vez que percebo que vossa
excelência tem certa admiração, digamos assim, por tal grupo...”O silêncio era
sempre a resposta do seu amigo que aparentemente não entendia nada que dizia
seu interlocutor.
“Mas o advirto
que minha revolta é incrivelmente sincera, e de certo modo, já o perdoo de
antemão pela sua simpatia com essa corja. Deixarei para discutir contigo os
pormenores quando estiver mais disposto ao diálogo”. Ele seguiu andando pelo
pátio com as mãos para trás de modo majestoso como se ele mesmo fosse um
monarca passeando em seu castelo, de longe eu o seguia com os olhos atentos.
Ele ao passar
do lado de uma senhora fez referência cumprimentando-a, e disse-lhe de súbito:
“O mundo corporativo me estressava, as pessoas são loucas por lá. Eu ligava
para alguém para orientar sobre uma planilha e dizia-lhe clara e pausadamente:
divida a segunda linha em duas partes... para que eu possa inserir tais dados,
78 minutos depois recebia a planilha intacta sem nenhuma mudança! ”. Ele
levantou as mãos ao alto dando ênfase ao final da frase, depois fitou o chão
com ar um pouco melancólico. “Não quero incomoda-la com problemas, minha
querida Simone! “ Nisso a mulher olhando para ele com certa surpresa, responde:
“ Eu sou a Rose”. Ele sorri apenas, comprimindo os lábios desenhando com eles
um arco, serrando simultaneamente os olhos, dá um próximo passo e continua sua
caminhada pelo pátio.
Ele vai até
uma parte do pátio que tem flores, retira uma que não sei identificar o nome, e
fica a olha-la franzindo o cenho, analisando com muita atenção, depois diz:
“Pois bem... serás a Simone, a outra deve estar tendo uma de suas confusões
mentais, tenho certeza que serás uma ótima companhia”.
E continuou:
“No futuro minha querida Simone, não muito longe de hoje, teremos todos os
seres humanos e quem sabe todos os seres vivos que possam causar danos as
propriedades e as pessoas terão chips implantados em seus cérebros (ressalvo que a propriedade sempre em primeiríssimo lugar na visão deturpada atual).
Essas pequenas máquinas irão transpor todos os pensamentos em uma sequência de
códigos e número, tais dados serão enviados remotamente para grandes receptores
que irão arquiva-los por tempo indeterminado e como normalmente acontece, eles
serão vendidos para as grandes corporações por preços inimagináveis para fins
de vendas de produtos e serviços. Eu penso que isso irá levado a outro nível
depois de alguns anos pelas ideias magnificas das grandes corporações, o nível
ético e moral! Veja só, os pensamentos que possam gerar ações lesivas às
propriedades e as vidas dos organismos (propriedades em primeiro lugar,
lembre-se) serão mapeados e enumerados de acordo com a sua gravidade, então
essas pequenas máquinas ao codificarem os sinais do cérebro referente aos
pensamentos listados como potenciais lesivos, darão choques de acordo com sua
gravidade, quanto maior a gravidade mais potente o choque, prevenindo que tais
pensamentos ocorram, logicamente irão vender esses serviços aos governos e
estes serão pagos com o dinheiro que coletam da própria população, seremos
condicionados em tempo integral! Corrigindo-me, nós não Simone, até que essa insanidade
coletiva se concretize já teremos virado poeira...
Falando
sobre o futuro agora minha querida amiga sinto-me triste por não ter deixado nenhum
filho, mas agora não há muito o que se possa fazer não é mesmo? Passarei meus
dias aqui e sinto-me bem com isso, mas não é engraçado que muitos dos que vivem
lá fora que para manter seu estilo de vida fútil e estúpido nega o instinto
básico de reprodução da espécie, negando a possibilidade de certo momento da
vida gerar filhos? alguns também
justificam que o custo é muito alto! Veja bem a vida que se estingue antes de
nascer por motivos monetários, será que o produto não vale o investimento? ou
talvez devêssemos chamar isso de seleção natural? Uma vez li um jornal que
dizia que existem pessoas que o fazem por amor à humanidade a fim de evitar um
crescimento insustentável... talvez tenham razão... provavelmente o tenham, cada um sabe de si, sei que eu sou o senhor
do meu próprio tempo aqui e sei também que sempre você minha querida Simone sempre me ouvirá"
Terminou de falar e sorriu para a planta em
sua mão.
Naquele
dia percebi que todos compartilhamos de um mesmo nível de insanidade, cada um com sua idiossincrática loucura. A história dirá se os doces
delírios dele tinham razão ou não, até lá, não tenha dúvida que ele será feliz com sua Simone.