quarta-feira, 25 de abril de 2018

Delírios



Não lembro exatamente como ele começou seu discurso, mas comecei a prestar atenção quando ele conversava com seu amigo catatônico em um tom mais alto. Eu estava a esperar a minha tia naquela ocasião sentado ao banco próximo da entrada do pátio do manicômio. Dizia ele: “Humanistas? Não sei do que se trata a fundo, mas posso afirmar-lhe meu nobre amigo falante que só de pensar em encontrar com um já me deixa em nervos! Partiria para agressão física muito provavelmente num momento extrema de lucidez numa discussão com um humanista! Pare para analisar comigo, sejamos sinceros, como alguém pode defender o ser humano no campo das ideias conhecendo minimamente a história da humanidade? ”
Seu amigo olhava com os olhos vazios mirando o nada e a boca entreaberta.
Ele prosseguiu “Bem vejamos... deixemos esse assunto de lado, uma vez que percebo que vossa excelência tem certa admiração, digamos assim, por tal grupo...”O silêncio era sempre a resposta do seu amigo que aparentemente não entendia nada que dizia seu interlocutor.
“Mas o advirto que minha revolta é incrivelmente sincera, e de certo modo, já o perdoo de antemão pela sua simpatia com essa corja. Deixarei para discutir contigo os pormenores quando estiver mais disposto ao diálogo”. Ele seguiu andando pelo pátio com as mãos para trás de modo majestoso como se ele mesmo fosse um monarca passeando em seu castelo, de longe eu o seguia com os olhos atentos.
Ele ao passar do lado de uma senhora fez referência cumprimentando-a, e disse-lhe de súbito: “O mundo corporativo me estressava, as pessoas são loucas por lá. Eu ligava para alguém para orientar sobre uma planilha e dizia-lhe clara e pausadamente: divida a segunda linha em duas partes... para que eu possa inserir tais dados, 78 minutos depois recebia a planilha intacta sem nenhuma mudança! ”. Ele levantou as mãos ao alto dando ênfase ao final da frase, depois fitou o chão com ar um pouco melancólico. “Não quero incomoda-la com problemas, minha querida Simone! “ Nisso a mulher olhando para ele com certa surpresa, responde: “ Eu sou a Rose”. Ele sorri apenas, comprimindo os lábios desenhando com eles um arco, serrando simultaneamente os olhos, dá um próximo passo e continua sua caminhada pelo pátio.
Ele vai até uma parte do pátio que tem flores, retira uma que não sei identificar o nome, e fica a olha-la franzindo o cenho, analisando com muita atenção, depois diz: “Pois bem... serás a Simone, a outra deve estar tendo uma de suas confusões mentais, tenho certeza que serás uma ótima companhia”.
E continuou: “No futuro minha querida Simone, não muito longe de hoje, teremos todos os seres humanos e quem sabe todos os seres vivos que possam causar danos as propriedades e as pessoas terão chips implantados em seus cérebros (ressalvo que a propriedade sempre em primeiríssimo lugar na visão deturpada atual). Essas pequenas máquinas irão transpor todos os pensamentos em uma sequência de códigos e número, tais dados serão enviados remotamente para grandes receptores que irão arquiva-los por tempo indeterminado e como normalmente acontece, eles serão vendidos para as grandes corporações por preços inimagináveis para fins de vendas de produtos e serviços. Eu penso que isso irá levado a outro nível depois de alguns anos pelas ideias magnificas das grandes corporações, o nível ético e moral! Veja só, os pensamentos que possam gerar ações lesivas às propriedades e as vidas dos organismos (propriedades em primeiro lugar, lembre-se) serão mapeados e enumerados de acordo com a sua gravidade, então essas pequenas máquinas ao codificarem os sinais do cérebro referente aos pensamentos listados como potenciais lesivos, darão choques de acordo com sua gravidade, quanto maior a gravidade mais potente o choque, prevenindo que tais pensamentos ocorram, logicamente irão vender esses serviços aos governos e estes serão pagos com o dinheiro que coletam da própria população, seremos condicionados em tempo integral! Corrigindo-me, nós não Simone, até que essa insanidade coletiva se concretize já teremos virado poeira...
                Falando sobre o futuro agora minha querida amiga sinto-me triste por não ter deixado nenhum filho, mas agora não há muito o que se possa fazer não é mesmo? Passarei meus dias aqui e sinto-me bem com isso, mas não é engraçado que muitos dos que vivem lá fora que para manter seu estilo de vida fútil e estúpido nega o instinto básico de reprodução da espécie, negando a possibilidade de certo momento da vida gerar filhos?  alguns também justificam que o custo é muito alto! Veja bem a vida que se estingue antes de nascer por motivos monetários, será que o produto não vale o investimento? ou talvez devêssemos chamar isso de seleção natural? Uma vez li um jornal que dizia que existem pessoas que o fazem por amor à humanidade a fim de evitar um crescimento insustentável... talvez tenham razão... provavelmente o tenham, cada um sabe de si,  sei que eu sou o senhor do meu próprio tempo aqui e sei também que sempre você minha querida Simone sempre me ouvirá"
                 Terminou de falar e sorriu para a planta em sua mão.
                Naquele dia percebi que todos compartilhamos de um mesmo nível de insanidade, cada um com sua idiossincrática loucura. A história dirá se os doces delírios dele tinham razão ou não, até lá, não tenha dúvida que ele será feliz com sua Simone.