Eu não lembro como vim
parar aqui, parece que tudo aconteceu num piscar de olhos. Um dia eu estava
aproveitando o sol do último verão no quintal de casa, ainda sinto a sensação do
calor e a luz nos meus olhos, acho que essa é a última memoria que tenho de
lá... e agora estou na rua, não tenho lugar. Viver assim tem suas vantagens ou
pelo menos procuro por uma vantagem.
Na rua tudo é movimento
e saudades.
As pessoas passam apressadas
para o trabalho, correndo para um encontro, desesperadas por algum motivo
qualquer, além dos carros, ônibus, bicicletas, e outros veículos, malditos!
Correm para que?! Por que isso me irrita tanto? Não sei te responder meu
amigo...
O pior de tudo é a
saudade, isso não tem fim. Passo o tempo inteiro lembrando da minha família e
como eles devem estar, acho que estou muito longe deles agora fisicamente, mas
parece que por estar sozinho esse sentimento que já era imenso ficou muito
maior, não achava que isso seria possível. Por que eu fui embora? Não sei, as
vezes ajo com impulsividade, hoje eu colho as consequências de ser assim, mas
se eu tivesse só mais uma chance eu faria diferente, disso eu tenho certeza.
Agora eu estou sujo,
irreconhecível, quando chove me molho muito até achar um lugar em que eu possa
ficar, constantemente as pessoas me expulsam, gritam comigo sem motivo e coisas
assim sem sentido, mal posso entender o que elas gritam. É importante ressaltar
que nem todos são ruins, muitos ajudam oferecendo comida, e às vezes até um
abrigo temporário, ou simplesmente não me chutam para fora do lugar onde estou,
isso as vezes já ajuda bastante.
Quando você está em
situação de rua a qualquer momento pode vir alguém te perturbar procurando por
briga, as vezes só por diversão te incomodam, eu só queria é viver em paz...
Como é? Se eu quero
voltar para casa? Mas é logico que sim daria tudo para estar com minha família
de novo principalmente estar de volta com a Dona Lourdes, ela é como uma mãe
para mim, atualmente seguir em frente é minha melhor opção, não posso ficar
parado isso não seria certo.
Quantos
dias estou perdido? Dias? Negativo, são anos meu amigo, mal posso contar...
Sobrevivo um momento
por vez, é isso, acho que resume bem como são os meus dias...
Eu acordo com fome e
saio andando por aí para ver se consigo algo para me alimentar, quando canso me
deito e vejo as engrenagens do sistema girarem, isso é, os trabalhadores,
maquinas e carros em movimento como já disse, não vou entrar em detalhes para
não me irritar.
A maior parte do tempo
sinto tristeza. Sempre vejo os olhares das pessoas que passam, muitos
indiferentes outros sentem pena de me ver assim, magro, com manchas e triste,
acho que isso aparece no meu olhar, essa sequencias de eventos aleatórios e
absurdos que chamamos de vida, não é camarada?
Foi quando eu percebi que meu amigo com quem
conversava saiu correndo com alguém se aproximando, eu já entrei em estado de
alerta, afinal era final de tarde e as vezes vinham os garotos da escola
perturbar, olhei nervoso para quem se aproximava, nesse dia estava disposto a
enfrentar qualquer um.
Foi quando eu senti
aquele cheiro, era o Edgar! Ele gritou alto para o outro lado da rua, “Mãe
achei ele! ”
Meu coração bateu muito
forte e rápido, gritei “Pessoal estou aqui! ” Não conseguia esconder a minha alegria.
Vi a Dona Lourdes atravessar a rua correndo, ela estava chorando de felicidade,
corri para ela, disse: “Você não sabe o quanto eu andei para encontrar você de
volta, estava morrendo de saudades de vocês todos, nunca mais eu vou fugir
assim, não foi de propósito, me desculpa” falei muito mais, eu sei que ela
entendeu tudo o que eu disse, apesar dela ter escutado apenas os meus latidos.