quarta-feira, 30 de outubro de 2019

4 & 2


Eu não lembro como vim parar aqui, parece que tudo aconteceu num piscar de olhos. Um dia eu estava aproveitando o sol do último verão no quintal de casa, ainda sinto a sensação do calor e a luz nos meus olhos, acho que essa é a última memoria que tenho de lá... e agora estou na rua, não tenho lugar. Viver assim tem suas vantagens ou pelo menos procuro por uma vantagem.
Na rua tudo é movimento e saudades.
As pessoas passam apressadas para o trabalho, correndo para um encontro, desesperadas por algum motivo qualquer, além dos carros, ônibus, bicicletas, e outros veículos, malditos! Correm para que?! Por que isso me irrita tanto? Não sei te responder meu amigo...
O pior de tudo é a saudade, isso não tem fim. Passo o tempo inteiro lembrando da minha família e como eles devem estar, acho que estou muito longe deles agora fisicamente, mas parece que por estar sozinho esse sentimento que já era imenso ficou muito maior, não achava que isso seria possível. Por que eu fui embora? Não sei, as vezes ajo com impulsividade, hoje eu colho as consequências de ser assim, mas se eu tivesse só mais uma chance eu faria diferente, disso eu tenho certeza.
Agora eu estou sujo, irreconhecível, quando chove me molho muito até achar um lugar em que eu possa ficar, constantemente as pessoas me expulsam, gritam comigo sem motivo e coisas assim sem sentido, mal posso entender o que elas gritam. É importante ressaltar que nem todos são ruins, muitos ajudam oferecendo comida, e às vezes até um abrigo temporário, ou simplesmente não me chutam para fora do lugar onde estou, isso as vezes já ajuda bastante.
Quando você está em situação de rua a qualquer momento pode vir alguém te perturbar procurando por briga, as vezes só por diversão te incomodam, eu só queria é viver em paz...
Como é? Se eu quero voltar para casa? Mas é logico que sim daria tudo para estar com minha família de novo principalmente estar de volta com a Dona Lourdes, ela é como uma mãe para mim, atualmente seguir em frente é minha melhor opção, não posso ficar parado isso não seria certo.
            Quantos dias estou perdido? Dias? Negativo, são anos meu amigo, mal posso contar...
Sobrevivo um momento por vez, é isso, acho que resume bem como são os meus dias...
Eu acordo com fome e saio andando por aí para ver se consigo algo para me alimentar, quando canso me deito e vejo as engrenagens do sistema girarem, isso é, os trabalhadores, maquinas e carros em movimento como já disse, não vou entrar em detalhes para não me irritar.
A maior parte do tempo sinto tristeza. Sempre vejo os olhares das pessoas que passam, muitos indiferentes outros sentem pena de me ver assim, magro, com manchas e triste, acho que isso aparece no meu olhar, essa sequencias de eventos aleatórios e absurdos que chamamos de vida, não é camarada?
 Foi quando eu percebi que meu amigo com quem conversava saiu correndo com alguém se aproximando, eu já entrei em estado de alerta, afinal era final de tarde e as vezes vinham os garotos da escola perturbar, olhei nervoso para quem se aproximava, nesse dia estava disposto a enfrentar qualquer um.
Foi quando eu senti aquele cheiro, era o Edgar! Ele gritou alto para o outro lado da rua, “Mãe achei ele! ”
Meu coração bateu muito forte e rápido, gritei “Pessoal estou aqui! ” Não conseguia esconder a minha alegria. Vi a Dona Lourdes atravessar a rua correndo, ela estava chorando de felicidade, corri para ela, disse: “Você não sabe o quanto eu andei para encontrar você de volta, estava morrendo de saudades de vocês todos, nunca mais eu vou fugir assim, não foi de propósito, me desculpa” falei muito mais, eu sei que ela entendeu tudo o que eu disse, apesar dela ter escutado apenas os meus latidos.